terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O Tempo da Vida




Lembro-me bem da noite em que comprei esta orquídea. Estava tomado de emoções nada banais, pois, acabara de sair de uma cistoscopia, exame que confirmou que eu tinha um tumor na bexiga e, de lá, iria jantar com Anne, afinal, comemorávamos três anos de namoro.

Passei na floricultura e comprei a orquídea para a data não passar em branco. Não somente a da nossa união, mas também do diagnóstico do câncer. Ao contrário do que você possa imaginar, não saí do exame cabisbaixo. No tempo entre a suspeita da doença e sua confirmação eu já tinha vivido o luto da notícia. Isso mesmo: eu já sabia pelo que teria que passar e que minha situação, por se tratar de um tumor inicial, não era gravíssima.

Nesta hora, bons médicos são fundamentais e eu fui assistido pelos melhores. Tanto que a recomendação que me deram foi de comemorar o aniversário de namoro com Anne, apesar do diagnóstico.

Nosso jantar foi maravilhoso e os olhos de Anne brilharam com a orquídea. Ao chegarmos em casa, acomodamos nossa flor na janela da área de serviço, junto com outras plantinhas que cultivávamos.

No entanto, tanto eu como ela, não tínhamos certeza se veríamos outras florações. Tentativas anteriores não tinham dado certo.

Passaram-se dias nos quais não há nada para registrar. Cuidávamos da orquídea com certo desdém, colocando água de vez em quando. O vento chegou a derruba-la algumas vezes, mas o tempo passava sem qualquer novidade. Algumas vezes, pensamos em nos desfazer daquele vaso de plástico com raízes e folhas. Mas, aquela planta era especial por tudo que ela representava para nós: a celebração da vida.

É certo que em nenhum momento desistimos da nossa orquídea, somente não lhe dávamos muita atenção.

Em meados de junho, somos surpreendidos com um varão brotando no meio das folhas. Chamo Anne e mostro-lhe a novidade. Alguns meses passam, o varão cresce, mas nada de flor. Entre agosto e setembro, surgem os primeiros brotos. São 4 ou 5 “casulos" de aguardam o tempo para florir.

No final de setembro, poucos dias antes do aniversário de Anne, as flores aparecem. Lindas, belíssimas, fascinantes. Dois meses depois da floração, as flores começam a murchar e, aos poucos, vão indo embora. Todavia, uma única flor resiste ao tempo e, passados três meses ainda está conosco.

A recusa desta última flor em morrer é a inspiração deste texto.



O que esta flor me ensina? Ela mostra o valor de compreendermos o tempo da vida.

O tempo da vida pode ser medido de várias maneiras. Normalmente, é tido como o período do nascimento até nosso último suspiro. Todavia, a orquídea me mostrou que o tempo de vida pode ser compreendido pelos ciclos de nossas florações.

Entre o nascimento e a morte, temos a oportunidade de florescer várias vezes. Nossas florações são as conquistas pessoais, profissionais e espirituais que temos durante a vida. São os momentos de extrema felicidade que temos a oportunidade de vivenciar ou as várias vezes em que somos luz na vida de outras pessoas.

Existem pessoas que têm muitas florações durante a vida, outras, nem tanto. Para se permitir florescer é necessário compreender que serão vários os dias de dificuldade. Assim, como a orquídea, você cairá alguma vezes. Em outros dias, faltará água ou sol. Mas, para quem quer florescer, nada disso é determinante, pois, o que vale na verdade é a vontade de passar por todas as dificuldades, para florescer novamente.

O tempo da vida, portanto, não precisa ser uma linha contínua entre o nascimento e a morte. Pode ser sim, a soma dos ciclos das nossas florações. Em cada ciclo, novos desafios, novos conhecimentos e novas oportunidades para ser feliz.

Reflita quando foi sua última floração e o que você está cultivando para a floração seguinte. Encha-se de coragem e deixe fluir.

E, assim como a flor da minha orquídea, lute para prolongar ao máximo esse tempo. Afinal, sempre é bom apreciar a beleza de uma orquídea.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Você já comeu pirão de parida?









O voo até São Luís havia sido tranquilo. Cochilei um pouco, assisti um dos filmes disponibilizados pela companhia aérea e nem percebi que havíamos chegados antes do horário previsto ao nosso destino.

Eu retornava ao Maranhão para concluir uma das etapas do trabalho contratado pelo Sebrae: a realização de oficina técnica em Bacabal. Semanas antes, já tinha estado em Imperatriz e Pinheiro com a mesma finalidade.

Para chegar em Bacabal o Sebrae havia disponibilizado carro e motorista, que estaria me esperando no aeroporto. Assim, quando sai da sala de desembarque fiquei procurando alguém com uma daquelas plaquinhas com meu nome. Mas, não vi ninguém. Esperei um pouco e resolvei entrar em contato com o pessoal do Sebrae para saber se havia acontecido alguma coisa.

Não consegui nem completar a mensagem, quando, ao levantar meu olhar, vi aquela figura simpática vindo em minha direção:

- O senhor é o consultor que veio de Brasília?
- Sim. Sou eu, respondi.
- Desculpa, é que o voo chegou mais cedo e eu fui até ali para escrever seu nome num papel. Nomezinho difícil, né? Como é mesmo? Jaco…
- Não é Ja, é Jeconias. E o seu nome?
- Zé Carlos. Me dê aqui sua mala que deixe que eu leve até o carro.

Caí na risada e nem percebi como foi que ele, no meio da multidão, havia me identificado. Depois, ao longo da viagem compreendi.

Logo no início da viagem, percebi que as próximas quatro horas seriam divertidas. Zé Carlos falava sem parar e falava sobre tudo: o calor, a falta de chuva, o trânsito, a condição da estrada. Ao seu lado, no banco do passageiro, à medida que ia interagindo com ele, eu tentava observar a paisagem da saída de São Luís.

De repente, surge um trem quilométrico. Pergunto a Zé Carlos que trem grande era aquele e ele me responde que é o trem que transporta minério da Vale do Rio Doce. Mal termina de responder e já engata outro assunto: as obras de duplicação da rodovia e os benefícios que ela trará para a mobilidade daquela região.

À esta altura, eu já me sentia à vontade da companhia de Zé Carlos. Acredito que ele também, pois, sem cerimônia, ele me pergunta onde eu gostaria de almoçar, se eu tinha preferência de alguma comida específica. Disse-lhe que tanto fazia e que confiaria no conhecimento dele sobre os restaurantes da estrada.

Pronto, era o que ele queria. Recebi uma aula sobre praticamente todos os restaurantes e a lição de que, quando estivesse viajando por aí, procurasse sempre parar nos restaurantes com caminhões estacionados à frente. Segundo ele, caminheiro só pára em lugar que tem comida boa.

Em seguida, me deu duas opções: churrasco ou galinha carpira. O churrasco seria num restaurante self service, com muita variedade e, a galinha, numa cabana na beira da estrada. Escolhi, sem titubear, a galinha caipira.

Mais uma vez, sem mal deixar eu terminar de falar, ele emendou:

- Mas, o senhor quer galinha com pirão de parida?
- Zé Carlos, e eu lá sei o que é pirão de parida? O que danado é isso?
- Oxente! Aqui no Maranhão, quando a mulher está de resguardo, come muito pirão de galinha caipira que é para ficar forte. Daí o pessoal botou o nome de pirão de parida.

Eu que estava indo para ensinar, nem tinha sequer chegado em Bacabal, já tinha aprendido mais coisas do que minha imaginação pudesse supor.

Zé Carlos pareceu-me muito animado com minha escolha. Foi logo falando que a gente ia parar numa barraca na beira da estrada que há muito tempo ele queria ir. Mas, que se lá não tivesse o pirão de parida, ele sabia de outra barraca que tinha. Pediu-me para segurar a fome e apertou o pé no acelerador.

Pouco tempo depois, ele encostava o carro na Cabana Tropical Edileuza. Já senti simpatia pelo local por levar o nome da minha sogra. Descemos e o calor era grande. Pude observar o quão simples era o local: uma choupana com algumas poucas mesas, um fogão à lenha e panelas brilhantes de tão limpas.




Sem cerimônias, Zé Carlos foi logo perguntando se tinha galinha caipira e, claro, o famoso pirão de parida. A resposta foi um misto de alegria e preocupação: tinha galinha, mas não tinha pirão.

Problema? Nenhum!

Vou ali no vizinho pegar um pouco de farinha e faço o pirão agora mesmo para o senhor, disse a alegre e simpática Edileuza.


Enquanto me deliciava com aquela comida simples, mas tão cheia de carinho, pensava no quanto essa vida moderna "goumertizada" tem nos afastado das coisas mais simples e verdadeiras da vida. Tenho certeza que vários restaurantes chiques e caríssimos não teriam a coragem de expor suas panelas como Edileuza, quanto mais ter o cuidado de arrumar um jeito para atender um pedido inusitado de um cliente. Enfim…




Claro que depois daquele manjar, tomamos um cafezinho. É nesta hora que Edileuza se aproxima para conversar com a gente. Fala que está com fortes dores nas costas, que estava quase sem andar. Melhorou graças a um lambedor feito com o chocalho de cobra cascavel. Entendido no assunto, Zé Carlos pergunta se ela usou vinho moscatel para fazer o lambedor. Dada a negativa dela, ficou de deixar uma garrafa para ela na próxima vez que passasse por lá.

Na boa: não sei se o lambedor funciona mesmo, mas presenciar, em tão pouco tempo, gestos efusivos de gentileza, solidariedade e compaixão me deixaram surpreso. Não era isso que eu esperava numa viagem para Bacabal.

Seguimos em frente, sem pressa. Ao chegar na entrada de Bacabal, Zé Carlos aponta para a estrada e diz:

- Olha isso: aqui, na entrada da cidade, a estrada passa no meio do cemitério.

Observo e constato o que ele fala. Para passar a estrada, dividiram o cemitério na metade. Pergunto a ele se, com essa divisão, os ricos são enterrados de um lado e os pobres, no outro. A resposta é sensacional:

- Não! Aqui só é enterrado pobre. Rico se enterra em São Luís!

Não contive a gargalhada.

Já no hotel, ao deitar fico pensando no que vivenciei durante a viagem. Minha conclusão sincera, compartilho com você:

A vida é como uma viagem para Bacabal: uma estrada, com várias oportunidades incríveis em suas margens e com final no cemitério. Algumas pessoas param para desfrutar o que tem em volta da estrada, se surpreendem o que encontram e seguem sem pressa. A maioria, no entanto, acelera freneticamente rumo ao seu destino final, sem perceber o quanto deixou para trás.

A gente não precisa apressar a vida. Também não precisa observar o que existe ao redor somente através do retrovisor, alimentando aquele sentimento “como teria sido se eu tivesse parado?”. Acredite em mim: vale a pena parar e provar a galinha caipira com pirão de parida de D. Edileuza.
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Esta crônica é uma homenagem a Zé Carlos, motorista do Sebrae MA, a quem sou grato por toda alegria compartilhada nos 245 km entre São Luís e Bacabal.