terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O Tempo da Vida




Lembro-me bem da noite em que comprei esta orquídea. Estava tomado de emoções nada banais, pois, acabara de sair de uma cistoscopia, exame que confirmou que eu tinha um tumor na bexiga e, de lá, iria jantar com Anne, afinal, comemorávamos três anos de namoro.

Passei na floricultura e comprei a orquídea para a data não passar em branco. Não somente a da nossa união, mas também do diagnóstico do câncer. Ao contrário do que você possa imaginar, não saí do exame cabisbaixo. No tempo entre a suspeita da doença e sua confirmação eu já tinha vivido o luto da notícia. Isso mesmo: eu já sabia pelo que teria que passar e que minha situação, por se tratar de um tumor inicial, não era gravíssima.

Nesta hora, bons médicos são fundamentais e eu fui assistido pelos melhores. Tanto que a recomendação que me deram foi de comemorar o aniversário de namoro com Anne, apesar do diagnóstico.

Nosso jantar foi maravilhoso e os olhos de Anne brilharam com a orquídea. Ao chegarmos em casa, acomodamos nossa flor na janela da área de serviço, junto com outras plantinhas que cultivávamos.

No entanto, tanto eu como ela, não tínhamos certeza se veríamos outras florações. Tentativas anteriores não tinham dado certo.

Passaram-se dias nos quais não há nada para registrar. Cuidávamos da orquídea com certo desdém, colocando água de vez em quando. O vento chegou a derruba-la algumas vezes, mas o tempo passava sem qualquer novidade. Algumas vezes, pensamos em nos desfazer daquele vaso de plástico com raízes e folhas. Mas, aquela planta era especial por tudo que ela representava para nós: a celebração da vida.

É certo que em nenhum momento desistimos da nossa orquídea, somente não lhe dávamos muita atenção.

Em meados de junho, somos surpreendidos com um varão brotando no meio das folhas. Chamo Anne e mostro-lhe a novidade. Alguns meses passam, o varão cresce, mas nada de flor. Entre agosto e setembro, surgem os primeiros brotos. São 4 ou 5 “casulos" de aguardam o tempo para florir.

No final de setembro, poucos dias antes do aniversário de Anne, as flores aparecem. Lindas, belíssimas, fascinantes. Dois meses depois da floração, as flores começam a murchar e, aos poucos, vão indo embora. Todavia, uma única flor resiste ao tempo e, passados três meses ainda está conosco.

A recusa desta última flor em morrer é a inspiração deste texto.



O que esta flor me ensina? Ela mostra o valor de compreendermos o tempo da vida.

O tempo da vida pode ser medido de várias maneiras. Normalmente, é tido como o período do nascimento até nosso último suspiro. Todavia, a orquídea me mostrou que o tempo de vida pode ser compreendido pelos ciclos de nossas florações.

Entre o nascimento e a morte, temos a oportunidade de florescer várias vezes. Nossas florações são as conquistas pessoais, profissionais e espirituais que temos durante a vida. São os momentos de extrema felicidade que temos a oportunidade de vivenciar ou as várias vezes em que somos luz na vida de outras pessoas.

Existem pessoas que têm muitas florações durante a vida, outras, nem tanto. Para se permitir florescer é necessário compreender que serão vários os dias de dificuldade. Assim, como a orquídea, você cairá alguma vezes. Em outros dias, faltará água ou sol. Mas, para quem quer florescer, nada disso é determinante, pois, o que vale na verdade é a vontade de passar por todas as dificuldades, para florescer novamente.

O tempo da vida, portanto, não precisa ser uma linha contínua entre o nascimento e a morte. Pode ser sim, a soma dos ciclos das nossas florações. Em cada ciclo, novos desafios, novos conhecimentos e novas oportunidades para ser feliz.

Reflita quando foi sua última floração e o que você está cultivando para a floração seguinte. Encha-se de coragem e deixe fluir.

E, assim como a flor da minha orquídea, lute para prolongar ao máximo esse tempo. Afinal, sempre é bom apreciar a beleza de uma orquídea.

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Você já comeu pirão de parida?









O voo até São Luís havia sido tranquilo. Cochilei um pouco, assisti um dos filmes disponibilizados pela companhia aérea e nem percebi que havíamos chegados antes do horário previsto ao nosso destino.

Eu retornava ao Maranhão para concluir uma das etapas do trabalho contratado pelo Sebrae: a realização de oficina técnica em Bacabal. Semanas antes, já tinha estado em Imperatriz e Pinheiro com a mesma finalidade.

Para chegar em Bacabal o Sebrae havia disponibilizado carro e motorista, que estaria me esperando no aeroporto. Assim, quando sai da sala de desembarque fiquei procurando alguém com uma daquelas plaquinhas com meu nome. Mas, não vi ninguém. Esperei um pouco e resolvei entrar em contato com o pessoal do Sebrae para saber se havia acontecido alguma coisa.

Não consegui nem completar a mensagem, quando, ao levantar meu olhar, vi aquela figura simpática vindo em minha direção:

- O senhor é o consultor que veio de Brasília?
- Sim. Sou eu, respondi.
- Desculpa, é que o voo chegou mais cedo e eu fui até ali para escrever seu nome num papel. Nomezinho difícil, né? Como é mesmo? Jaco…
- Não é Ja, é Jeconias. E o seu nome?
- Zé Carlos. Me dê aqui sua mala que deixe que eu leve até o carro.

Caí na risada e nem percebi como foi que ele, no meio da multidão, havia me identificado. Depois, ao longo da viagem compreendi.

Logo no início da viagem, percebi que as próximas quatro horas seriam divertidas. Zé Carlos falava sem parar e falava sobre tudo: o calor, a falta de chuva, o trânsito, a condição da estrada. Ao seu lado, no banco do passageiro, à medida que ia interagindo com ele, eu tentava observar a paisagem da saída de São Luís.

De repente, surge um trem quilométrico. Pergunto a Zé Carlos que trem grande era aquele e ele me responde que é o trem que transporta minério da Vale do Rio Doce. Mal termina de responder e já engata outro assunto: as obras de duplicação da rodovia e os benefícios que ela trará para a mobilidade daquela região.

À esta altura, eu já me sentia à vontade da companhia de Zé Carlos. Acredito que ele também, pois, sem cerimônia, ele me pergunta onde eu gostaria de almoçar, se eu tinha preferência de alguma comida específica. Disse-lhe que tanto fazia e que confiaria no conhecimento dele sobre os restaurantes da estrada.

Pronto, era o que ele queria. Recebi uma aula sobre praticamente todos os restaurantes e a lição de que, quando estivesse viajando por aí, procurasse sempre parar nos restaurantes com caminhões estacionados à frente. Segundo ele, caminheiro só pára em lugar que tem comida boa.

Em seguida, me deu duas opções: churrasco ou galinha carpira. O churrasco seria num restaurante self service, com muita variedade e, a galinha, numa cabana na beira da estrada. Escolhi, sem titubear, a galinha caipira.

Mais uma vez, sem mal deixar eu terminar de falar, ele emendou:

- Mas, o senhor quer galinha com pirão de parida?
- Zé Carlos, e eu lá sei o que é pirão de parida? O que danado é isso?
- Oxente! Aqui no Maranhão, quando a mulher está de resguardo, come muito pirão de galinha caipira que é para ficar forte. Daí o pessoal botou o nome de pirão de parida.

Eu que estava indo para ensinar, nem tinha sequer chegado em Bacabal, já tinha aprendido mais coisas do que minha imaginação pudesse supor.

Zé Carlos pareceu-me muito animado com minha escolha. Foi logo falando que a gente ia parar numa barraca na beira da estrada que há muito tempo ele queria ir. Mas, que se lá não tivesse o pirão de parida, ele sabia de outra barraca que tinha. Pediu-me para segurar a fome e apertou o pé no acelerador.

Pouco tempo depois, ele encostava o carro na Cabana Tropical Edileuza. Já senti simpatia pelo local por levar o nome da minha sogra. Descemos e o calor era grande. Pude observar o quão simples era o local: uma choupana com algumas poucas mesas, um fogão à lenha e panelas brilhantes de tão limpas.




Sem cerimônias, Zé Carlos foi logo perguntando se tinha galinha caipira e, claro, o famoso pirão de parida. A resposta foi um misto de alegria e preocupação: tinha galinha, mas não tinha pirão.

Problema? Nenhum!

Vou ali no vizinho pegar um pouco de farinha e faço o pirão agora mesmo para o senhor, disse a alegre e simpática Edileuza.


Enquanto me deliciava com aquela comida simples, mas tão cheia de carinho, pensava no quanto essa vida moderna "goumertizada" tem nos afastado das coisas mais simples e verdadeiras da vida. Tenho certeza que vários restaurantes chiques e caríssimos não teriam a coragem de expor suas panelas como Edileuza, quanto mais ter o cuidado de arrumar um jeito para atender um pedido inusitado de um cliente. Enfim…




Claro que depois daquele manjar, tomamos um cafezinho. É nesta hora que Edileuza se aproxima para conversar com a gente. Fala que está com fortes dores nas costas, que estava quase sem andar. Melhorou graças a um lambedor feito com o chocalho de cobra cascavel. Entendido no assunto, Zé Carlos pergunta se ela usou vinho moscatel para fazer o lambedor. Dada a negativa dela, ficou de deixar uma garrafa para ela na próxima vez que passasse por lá.

Na boa: não sei se o lambedor funciona mesmo, mas presenciar, em tão pouco tempo, gestos efusivos de gentileza, solidariedade e compaixão me deixaram surpreso. Não era isso que eu esperava numa viagem para Bacabal.

Seguimos em frente, sem pressa. Ao chegar na entrada de Bacabal, Zé Carlos aponta para a estrada e diz:

- Olha isso: aqui, na entrada da cidade, a estrada passa no meio do cemitério.

Observo e constato o que ele fala. Para passar a estrada, dividiram o cemitério na metade. Pergunto a ele se, com essa divisão, os ricos são enterrados de um lado e os pobres, no outro. A resposta é sensacional:

- Não! Aqui só é enterrado pobre. Rico se enterra em São Luís!

Não contive a gargalhada.

Já no hotel, ao deitar fico pensando no que vivenciei durante a viagem. Minha conclusão sincera, compartilho com você:

A vida é como uma viagem para Bacabal: uma estrada, com várias oportunidades incríveis em suas margens e com final no cemitério. Algumas pessoas param para desfrutar o que tem em volta da estrada, se surpreendem o que encontram e seguem sem pressa. A maioria, no entanto, acelera freneticamente rumo ao seu destino final, sem perceber o quanto deixou para trás.

A gente não precisa apressar a vida. Também não precisa observar o que existe ao redor somente através do retrovisor, alimentando aquele sentimento “como teria sido se eu tivesse parado?”. Acredite em mim: vale a pena parar e provar a galinha caipira com pirão de parida de D. Edileuza.
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Esta crônica é uma homenagem a Zé Carlos, motorista do Sebrae MA, a quem sou grato por toda alegria compartilhada nos 245 km entre São Luís e Bacabal.


quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Por mais sombrinhas brancas




“Em Maurília, o viajante é convidado a visitar a cidade ao mesmo tempo em que observa uns velhos cartões postais ilustrados que mostram como esta havia sido: a praça idêntica mas com uma galinha no lugar da estação de ônibus, o coreto no lugar do viaduto, duas moças com sombrinhas brancas no lugar da fábrica de explosivos. “


Instigante e oportuno esse trecho de “As cidades Invisíveis”, de Ítalo Calvino. Enquanto viajo pelo país conhecendo inúmeras cidades, cresce a impressão de que a maioria delas era melhor no passado.

Os velhos cartões postais que minha memória revisita neste momento, mostram-me a praça com coreto em Mamanguape/PB, terra onde minha família materna se estabeleceu, e onde adorávamos passar férias na casa de meus avós. Correr em torno da praça, no final da tarde, era diversão obrigatória.

Noutro cartão postal guardado em minhas lembranças, volto para a João Pessoa dos anos 80 e 90. Com 11 anos, ia para escola de ônibus, sozinho ou junto com meus irmãos, sem a companhia de meus pais. Andávamos a pé todo o centro da cidade e lembro como isso era divertido. Jovens de classe média não tinham medo das ruas.

Hoje, muito do que fazíamos não é mais recomendável. Aliás, para muitos, é inimaginável andar despreocupadamente pelas ruas. Temos medo. Tornamo-nos prisioneiros da violência gerada por um ambiente urbano extremamente hostil.

Refiro-me à violência no seu sentido mais amplo, que vai além dos temas ligados à segurança pública: exclusão social, (i)mobilidade urbana, colapso nos serviços públicos básicos (especialmente na saúde), intolerância ao coletivo e outros aspectos da vida em sociedade que estamos construindo (ou destruindo) em pleno século XXI. Tornamo-nos esquizofrênicos pós-modernos, resultado, dentre outras coisas, da restrição gradativa do uso do espaço público.

Estamos confinados em carros, condomínio e shoppings. Sufocados em um padrão de consumo que nos obriga a correr diariamente em busca daquilo que, na maior parte das vezes, não precisamos. O essencial fica cada vez mais distante.

É interessante escrever isso no momento em que dois acontecimentos me chamaram atenção.

O primeiro, ainda de madrugada, saindo do hotel para o aeroporto em São Luís. O Uber que me levava ficou sem gasolina, exatamente na frente de um acidente entre dois carros, em que um dos motoristas sequer conseguia ser acordado pela polícia.

O outro, já dentro do avião, quando perguntado pela aeromoça se eu gostaria de biscoito doce ou salgado, respondi que tanto fazia. Fui pego de surpreso com sua generosidade em me dar um pacotinho de cada.

Que inusitado: fiquei mais surpreso com o segundo acontecimento do que com o primeiro. Constato que os atos de violência já fazem mais parte do nosso cotidiano do que os gestos de gentileza. Percebo que vivemos, como definido por Hannah Arendt “a banalização do mal”.

Reforço esse sentimento, lembrando que, atualmente, um dos temas que está em discussão na pauta legislativa dos municípios no Congresso Nacional, é o uso de armas de fogo por agentes de trânsito. Poxa vida, que bom seria se estivéssemos discutindo a obrigatoriedade de instalação de mais praças e coretos em nossas cidades.

Ao viajar por aí, acabo me sentido um pouco como Marco Polo, o intrépido viajante, cujos diálogos sobre as cidades que integram o império do grande Kublai Khan são o objeto do livro de Calvino. Socorro-me de mais um trecho, em que me apoio para escrever essas linhas:

“- Sim, o império está doente e, o que é pior, procura habituar-se às suas doenças. O propósito das minhas explorações é o seguinte: perscrutando os vestígios de felicidade que ainda se entrevêem, posso medir o grau de penúria. Para descobrir quanta escuridão existe em torno, é preciso concentrar o olhar nas luzes fracas e distantes. “

Fica aqui, então, registrado o meu protesto, seguindo a inspiração de Calvino: por mais moças com sombrinhas brancas no lugar de fábricas de explosivos!




sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Para meu amigo Carlos Secundo






De todas as lembranças que carrego na vida, esta foto representa uma das mais queridas. Era 2011 e lá estávamos, eu e Carlos Luiz Secundo, nos preparativos finais para nossa primeira maratona, em Buenos Aires.

A foto tirada por Claudio Arruda, técnico da Ápice, registra muito mais do que o momento que estávamos concluindo uma corrida de 10 milhas em Brasília, mostra o sentimento mais puro e valioso desta vida: uma amizade verdadeira.

Treinamos juntos por vários meses. Aliás, nos divertimos juntos várias vezes. Os treinos e corridas nos finais de semana eram compromissos obrigatórios, era um pacto de felicidade plena. E sempre estávamos lá, um ao lado do outro.


O mais interessante dessa história é que, um pouco antes da largada da Maratona de Buenos Aires, Seu Carlos percebeu que havia perdido o chip. Com isso, teve que voltar para procura-lo. Não deixou que eu fosse com ele, com receio de que eu perdesse a largada da prova. A contragosto, tivemos que nos separar e, para mim, lá se ia o sonho de corremos os 42 km juntos, como tínhamos programado.

Passei a maratona inteira procurando por ele e nada. Quando faltavam uns 3 a 4 km para o término da prova, na saída de um parque, vejo a cabecinha branca (marca registrada) do meu amigo. Dei um pique e cheguei ao seu lado sorrateiramente.

A intensa emoção que senti quando o encontrei, tenho guardada no meu coração para sempre. Corremos os últimos quilômetros juntos, desejando que aquele momento não terminasse nunca.

Cruzamos a linha de chegada juntos, abraçados e chorando como duas crianças. Afinal, o plano não era somente correr uma maratona, mas sim, correr uma maratona juntos.

Depois de 6 anos, rever essa foto só me traz boas lembranças e uma certeza: nossa amizade é verdadeira e eterna!

Um grande abraço meu amigo e ídolo Carlos Luiz Secundo! Em breve estaremos juntos novamente! As ruas de Brasília e do mundo nos aguardem!!!!

domingo, 27 de agosto de 2017

Gratidão pelos rastros deixados no caminho



Devemos exercitar mais a gratidão. Ao refletir sobre o hoje, olho para trás e, olhando os rastros que deixei pelo caminho, vejo o quanto tenho a agradecer.

Mais do que as lições aprendidas com a caminhada da vida, nossos rastros são as impressões que deixamos no mundo, nas pessoas. Alguns ainda teimam em olhar aquilo que deixaram de conquistar, fracassos e frustrações. Perdem-se, assim, no mar triste das lamentações.

Já corri muitas vezes por esse caminho. Aliás, quando me distraio, esse hábito vem à tona e tenta me conduzir pelo turvo caminho da culpa. Principalmente, quando as circunstâncias da vida não estão favoráveis. Nestas horas, qualquer problema funciona como um gatilho que dispara um tiro de sentimentos negativos.

Atualmente, tenho procurado mudar o foco. Quando a coisa aperta, olho para trás em busca do que fiz de bom, de pistas positivas que me levaram a ser o que sou hoje e das pequenas conquistas diárias que motivam a caminhada do dia-a-dia. E, quando a gente se permite a se fazer isso, a vida se encarrega de enviar inúmeros e intensos sinais de fumaça positiva.

Foi exatamente o que aconteceu nesta semana. Viajo muito por conta do trabalho e, dessa forma, tenho sempre que voltar em lugares em que já estive. Fui a São Luís, fazer uma palestra, depois de onze longos anos. Trabalho concluído, fui jantar de Jairo e Ana Izaura, amigos queridos, dos tempos da faculdade de Direito de Campina Grande.

A noite foi pequena para tanta conversa. Conversa boa, leve e muito alegre. Relembramos tantos fatos, tantas pessoas. Fizemos uma viagem ao longo do tempo que terminou com a reflexão dos valores que temos passados aos nossos filhos. Saí de lá, totalmente preenchido de sentimentos positivos e extremamente grato por aquele momento, que só foi possível por causa de uma amizade construída há mais de vinte anos.

Lembrei-me de uma linda passagem do livro As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino: “O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá”.

Hoje valorizo o pouco que é meu nesta vida. A maior parte dos rastros que deixei são amizades como a de Izaura e Jairo e sou extremamente grato por cada uma delas.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Só provando




Nas minhas viagens procuro reservar um tempinho para conhecer algumas pessoas que possam me ensinar um pouco sobre a realidade local. São conversas informais, normalmente são momentos extremamente divertidos e, por vezes, inusitados. Mas, sempre são aprendizagens maravilhosas.

A última delas aconteceu semana passada, em Manaquiri/AM. Ao lado do prefeito e amigo Jair, fui conhecer a Feira do Produtor Rural de Manaquiri, uma iniciativa da prefeitura para escoar, na própria cidade, a produção dos diversos agricultores familiares que existem no município.

A feira é sensacional. É realizada toda sexta-feira, na quadra de esportes que fica no centro da cidade, na frente da prefeitura. Quem toma conta da feira e coordena todo o processo – da seleção dos produtores, até o controle sobre tudo o que foi comercializado – é o Mário, secretário municipal de Produção e Abastecimento.

Um minuto de conversa com ele e qualquer pessoa fica convencida da importância da feira enquanto política de inclusão socioeconômica dos produtores locais. E não são os argumentos técnicos os mais relevantes, mas sim, a comprovação de que tudo aquilo é feito com muito amor.

O trabalho começa cedo. Às 4:30 h da manhã, quando os produtores cadastrados começam a chegar, com suas “rabetas” (pequenos barcos movidos a motor de popa) no porto da cidade. Sim, há um cadastro! Só podem participar da feira aqueles que produzem produtos regionais e, para garantir a diversidade, existe uma seleção de acordo com o que o produtor vai levar para a feira. A equipe do Mário, a partir dessas informações, toma nota do que vai ser comercializado e da quantidade que cada produtor está levando para a feira. No final da manhã, é feito um levantamento sobre o quanto cada um vendeu. Assim, a prefeitura pode verificar se os produtores estão tendo lucro com a feira. É fantástico!!!

A prefeitura subsidia o combustível para cada um dos produtos que participa da feira e, às 4:30h, a equipe já está a postos para ajuda-los no transporte das mercadorias até o local da feira, que é aprontado desde à noite anterior. Às 6h em ponto, a feira é aberta, já com todos os produtos expostos e todos os produtores devidamente identificados com seus coletes verdes (o que rendeu o apelido de periquitos). A participação da população não deixa a desejar e, já nas primeiras horas, a procura por alguns itens é grande, fazendo-os esgotar rapidamente.

Foi o aconteceu comigo. Desde que cheguei em Manaquiri, na quinta-feira, que Mário e o prefeito fizeram a propaganda da farinha do Renan. Uma farinha especial, selecionada! Renan faz parte de um grupo de produtores da comunidade Andiroba e, desde que a feira começou (há 3 meses), a “farinha da Andiroba” ganhou fama.

Cheguei na feira por volta de 8h e, para minha supresa, quando fui comprar a tão falada farinha, soube que já tinha acabado e que Renan já havia ido embora! Pensei: Caramba! Se em menos de 2 horas, Renan vendeu tudo, precisa aumentar sua produção!!

Fiquei com um sentimento misto de frustração e felicidade. Frustração por não encontrar a farinha e felicidade por saber que, se há pouco tempo atrás aquele monte de produtores não tinha para quem vender sua produção, a iniciativa da prefeitura estava trazendo ganhos concretos para eles.

Mas, para minha surpresa, quando estávamos saindo, eis que surge Renan. O sorriso no rosto e o brilho no olhar não escondiam sua felicidade. Perguntado pelo prefeito por que havia trazido pouca farinha, foi logo respondendo: “Jair, não trouxe pouca não... É que os 120 litros que eu trouxe não deu pra quem quis. Mas, eu mandei pegar o restinho que tinha ficado lá em casa, para vender ainda hoje”.

Aí quem sorriu fui eu! Tratei logo de reservar minha encomenda e pedi para Renan deixar na prefeitura, onde estaria concluindo meu trabalho com a equipe do município.

No final da manhã, pouco antes da hora de ir embora, Renan me aparece com 12 litros de farinha. Um saco enorme que, certamente, eu não teria como embarcar no avião. Tratei de dividir a farinha com a equipe que estava trabalhando comigo e aproveitei a oportunidade para conversar um pouco com ele.

Aí soube de tudo! Antes da feira, os produtores da comunidade de Andiroba estavam com sérias dificuldades financeiras. Não tinham onde vender a farinha que produziam e, quando conseguiam fazê-lo, tinham que vender a preços muito baixo, para atravessadores. Contou-me que agora era diferente! Com a feira, os produtores vendiam diretamente para o consumidor local e que, ele já estava treinando outras pessoas da comunidade para aumentar a produção da farinha, pois, a demanda (inclusive de pessoas de Manaus) estava muito maior que a capacidade de produção deles.

Ao me entregar a farinha, não deixou que eu pagasse. Disse-me apenas o seguinte: leve minha farinha para Brasília. Diga que é a Farinha de Andiroba”, do Manaquiri! A melhor farinha que eles vão comer! E, que um dia venham aqui conhecer a nossa feira do produtor.

Provei a farinha ainda lá em Manaquiri. Impossível descrever quão gostosa ela é. Só provando...

domingo, 6 de agosto de 2017

Sinta-se Melhor




Ideias geniais sempre me estimularam. Nestes dias, em mais uma dessas viagens de trabalho, ao entrar no avião e sentar no meu assento, eis que me deparo com um daqueles saquinhos de vomitar. Tudo extremamente banal, ao não ser pela inscrição contida no saquinho: SINTA-SE MELHOR.

Olhei aquilo e fiquei lendo e relendo várias vezes. “Quem foi o gênio que pensou em colocar esta frase aqui? “, pensei. Sou daquelas pessoas que têm náuseas quando veem outra vomitar. Então, sempre olhei para esses saquinhos com muita desconfiança, temendo que alguém ao meu lado precisasse utilizar.

A inscrição SINTA-SE MELHOR me fez ter outro olhar sobre o saquinho. Poxa, para quem está com ânsia de vômito, dentro de um avião, nada mais importante do que o saquinho. E não tem jeito, a pessoa só vai se sentir melhor, quando vomitar. Só aí foi que percebi o quão nobre é a função do saquinho: fazer as pessoas que estão passando mal, ficarem melhor.

Logo pensei: precisamos de mais saquinhos! Saquinhos para vômitos emocionais. De fato, andamos cercados, por um lado, por intolerância e violência, por outro, por cobrança excessiva por resultados e competitividade exacerbada. Na política, o ambiente é desalentador, na economia, nem se fala.

Tudo isso nos dá ânsia de vômitos emocionais.

Fico imaginando roteiros cotidianos, de pessoas comuns. O cara acorda, vai tomar café e liga a televisão. No noticiário, só notícia ruim. Sai para trabalhar, liga o rádio e escuta todo o roteiro policial. O trânsito tira o restante de sua paciência. Nem são 9h da manhã e o cidadão já está impregnado de coisa ruim. E, a maioria, não se dá o direito de vomitar essas emoções. Ao contrário, somente as acumula e constrói para si, um roteiro de infelicidade, em casa, no trabalho, enfim, em todo lugar.

Precisamos exercitar os vômitos emocionais, e tirar de nós essas emoções ruins.

Um exercício bacana que tenho feito neste sentido é o “pensar sobre o pensado”. Tirar alguns momentos do dia para refletir sobre meu comportamento diante das situações que vida me impõe, tem me feito muito bem. Desconstruo (pré)conceitos, desisto de ficar conjecturando possibilidades negativas sobre as pessoas com quem me relaciono e, principalmente, avalio minha atuação nos ambientes em que estou.

Muitas vezes, pego-me refletindo sobre meus erros. Mas, ao invés de ficar me lamentando, procuro caminhos para que eu possa minimizar os danos causados e isso, eu posso garantir, tem me feito muito bem.

A sensação é a mesma de vomitar no saquinho, sensação de alívio. Assim, ao invés de acumular angustia e pessimismo, vou me desapegando dessas coisas ruins e construindo dias melhores.

E aí, percebo com é poderosa e verdadeira é a aquela inscrição genial do saquinho. Tente. Pratique o vômito emocional. Livre-se daquilo que te causa mal e SINTA-SE MELHOR.