terça-feira, 1 de agosto de 2017

O Bode e a Rosa Vermelha




Acordei no domingo com a tarefa de sair pelas ruas de Brasília e cumprir a planilha de treinos: peladar 50 km. Fiquei remoendo na cama, tentando convencer o corpo a se levantar e iniciar os preparativos para o treino.

Mas, naquele domingo não era a costumeira preguiça dominical que me prendia em casa. Havia acordado com uma vontade louca de cozinhar.

Confesso que não sou um cozinheiro experiente. Na verdade, nunca fui afeito aos afazeres culinários, mas, desde que eu e Anne nos mudamos para nosso apartamento em Águas Claras, cozinhar se tornou um hobbie muito divertido. Fazemos nossas travessuras na cozinha sem nenhuma pretenção que não seja colocar em prática nossas curiosidades e nos divertir. E, assim tem sido nos últimos dois anos.

No entanto, a agenda de treinos do triatlo faz com que eu tenha que sair muito cedo de casa todos os domingos, voltando somente no final da manhã e isso tinha me afastado da cozinha.

Mas, naquele domingo, a vontade de ficar em casa para cozinhar um bode que tinha trazido com todo o cuidado na minha última viagem a João Pessoa, falou mais alto.

Não titubeei: enquanto Anne curtia a tradicional preguiça no domingo, levantei, tomei um banho e segui direto para a feira. Cheguei cedinho e ainda peguei o pessoal montando as barracas. Tive que esperar terminarem de debulhar o feijão verde. Comprei as verduras, frutas para semana e outras coisinhas da nossa dieta. Da feira, segui para o supermercado, completar a tarefa das compras semanais. O importante é que consegui todos os ingredientes que precisava para preparar o bode.




A receita peguei na internet (http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2015/08/aprenda-receita-tradicional-de-bode-guisado-no-chef-jpb-deste-sabado.html). Minha intenção era ousada: fazer um bode guisado na cachaça.

Contudo, antes de iniciar os preparativos do almoço, cumpri o velho ritual de todos os domingos e preparei o tradicional cuscuz com ovo, que Anne comeu na cama mesmo. Aliás, o fato dela ficar a manhã inteira lagarteando na cama, permitiu que eu lhe fizesse uma grande surpresa!

Finalmente, comecei o preparo do bode. Já descongelado, deixei-o marinando junto com uma boa dose de Serra Limpa e alecrim fresco. O cheiro da cachaça me animou e tomei logo uma lapada para entrar no clima. Mas, enquanto cortava as verduras da receita, senti que faltava alguma coisa: música!!

Peguei o iPad e após uma breve pesquisa, não tive dúvidas: coloquei pra tocar O Grande Encontro - 20 Anos. Imagine só, que esse bode sortudo, iria ser guisado, depois de marinado na melhor cachaça da Paraíba, com o alecrim que colhi na minha própria horta-janela (ou seria janela-horta?) e ao som de Elba, Alceu e Geraldinho Azevedo!!!

Resultado: o preparo do almoço virou um ritual. Uma verdadeira cerimônia nordestina, em pleno cerrado. E, para cumprir tudo direitinho, a cada canção que arrebatava o coração, eu degustava um tiquinho de Serra Limpa.

Foi então que aconteceu algo mágico, uma sensação indiscritível. No exato momento que coloquei a panela do bode no fogo e vi que o cuscuz já estava pronto e o feijão verde borbulhando, eis que toca uma linda ciranda que escutava quando era criança: a Rosa Vermelha (https://youtu.be/UIdtVi1OCtw). Num instante, que parece ter demorado toda uma vida, revivi lindos momentos da minha infância em João Pessoa: a casa no Bairro dos Estados, as travessuras com meus irmãos e os amigos que não vejo há tanto tempo… Parecia que eu estava sendo transportado, num túnel do tempo, para os idos de 1985, uma época maravilhosa da minha vida.

Nem tentei conter as lágrimas. Elas eram o tempero que faltava para o almoço. Arrumei a mesa, coloquei tudo nas travessas, abri nosso vinho favorito (a ocasião merecia) e fui ao quarto chamar Anne. Afinal, já passavam das 13h e ela devia estar faminta.

Quando ela viu o cenário da nossa pequena mesa de refeição, um largo sorriso tomou conta do seu rosto. Sabe aquele tipo de sorriso que mostra a felicidade da alma? Depois de algum tempo sem fazermos nossa comidinha em casa, aquele almoço tinha se transformado num banquete!



Almoçamos sentindo o agradável gostinho de estarmos juntos, em sintonia com nossa vida. Ali, olhando um para o outro, compartilhávamos a cumplicidade de uma vida de muita felicidade e, silenciosamente, renovávamos nosso compromissos de sermos felizes. E, ao olhar para ela, eu não conseguia esquecer o refrão da Rosa Vermelha: hei de amar-te até morrer.

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